REMINISCÊNCIAS

Viver é ter e fazer história. Pensando nisso, lembro-me de uma trova premiada, feita pelo meu querido pai, escritor e poeta:

                “Lembrando a infância querida

                 Como quem sorrindo chora

                 Meu crepúsculo de vida

                 Se transforma numa aurora “…

Sempre me marcou essa trova e outras mais que ele sempre fazia, brincando com a língua portuguesa, que tanto amava e dominava.

A menina, que observava e assimilava tudo à sua volta, se encantava e procurava aprender e a entender o significado das belas palavras.

No seu jardim encantado, fazia seu grande laboratório de descobertas da vida, animal e vegetal. O jardim da casa em que nasceu parecia um bosque cheio de mistérios a serem desvendados. Em proporção a seu conhecimento e tamanho, era enorme a seus olhos.

Passava horas observando os bichinhos, brincando com os tatus bola que, ao serem tocados, viravam uma bolinha e rolavam pelo chão.

As flores a seduziam, na textura, forma e cores. Aí veio à ideia fazer um laboratório de sucos dessas flores e plantas, para ver se cheiravam e se aqueles tons conseguiam passar para a água.

Pedi a minha mãe um lugar, onde pudesse construir um local de trabalho. Ela me deu uma cadeira velha sem assento e um espaço no quintal. Coloquei uma tábua de caixote em cima, no assento, e entre as pernas da cadeira abaixo. Peguei um pedaço de plástico de cortina do Box e, com tachinhas, prendi a cortina improvisada no meu gabinete de trabalho.

Meu pai tinha muitos vidros médios vazios, de loção pós-barba, de remédios. Tinham que ser transparentes, de preferência. Pedi a ele os vidros e coletei outros que seriam jogados fora.

Aos poucos, fui juntando e comecei a investigar mais, meu grande laboratório, meu jardim…

Rosas vermelhas, cor de rosas, hibiscos laranja, vermelhos, spatifilus brancos, antúrios rosa, vermelhos e brancos, crisântemos, beijinhos…

Plantas verdes, como um pinheiro imenso, cujas folhas tinham penachos grossos, que pareciam taturanas; tinha medo. Às vezes, assustava minhas amiguinhas com elas.

Minha mãe temia que o pinheiro caísse sobre a casa, pois era bem mais alto que a casa e envergava sobre o telhado. Tinha também uma colmeia de abelhas miudinhas no seu tronco. Não mordiam; soltavam uma seiva que cristalizava e eu arrancava e ficava olhando contra a luz do sol. Era de cor âmbar. Dava para ver o sol com arco-íris de cores por dentro. Era bem legal.

Um dia, meus pais decidiram cortar o pinheiro na altura de um metro. Chamaram a Prefeitura. Eles avaliaram e mandaram cortar. Senti muito na época, mas era pequena demais para dar palpite.

Da colmeia, de dentro do tronco, tiramos favos de mel, bem doces e gostosos. Não esperava isso daquelas abelhas tão miúdas. Pareciam mosquitos.

O toco de pinheiro virou suporte de uma samambaia muito bonita, renda portuguesa, pela semelhança de suas folhas com uma renda. Até hoje, tenho uma muda dessa samambaia comigo, que minha mãe me deu.

O gosto pelas plantas vem de geração em geração da minha família. Minha avó, Verônica, tinha, na casa dela, no interior, um jardim, em que eu me perdia, misterioso… Uma tia, Zizinha, irmã da minha mãe, tinha até uma estufa em sua casa, com espécies que não se viam fácil; os antúrios de lá eram gigantescos, as flores eram maiores que as folhas! Eu ficava maravilhada…

Mas, voltando ao meu laboratório, o jardim da minha casa, os Agaves-Azuis, eram enormes. Como sempre gostei de montar a cavalo, montava nos agaves e brincava de cavalinho. Nossa! Que viagem! Que sensação deliciosa!

E o Chorão, Salgueiro-Chorão, era uma árvore com tronco de casca grossa, mas as folhas finas caíam em ramos, como uma cascata verde, até o chão. Daí o nome chorão, como se derramasse “lágrimas”, de ramos verdes finos, compridos e fortes, com folhas finas, delicadas e compridas…

Minha mãe cortava as folhas, por baixo do Salgueiro-Chorão, fazendo um caminho, como se fosse um túnel, para que pudéssemos passar. Eu achava aquilo incrível e passava com o meu velocípede ali, dentre os vários caminhos que tinha o meu jardim encantado…

O jardim tinha um muro de pedra Lagoa Santa e, por cima, uma cerâmica vermelha. Ele era baixo. Subia no muro, me agarrava no Chorão, num monte de ramos e voava, voava igual ao Tarzan… Nossa, era demais! Às vezes, meu irmão, três anos mais velho do que eu, saltava do outro lado do canteiro e me acompanhava na ousada brincadeira.

Abaixo do Chorão, tinha uma planta mal cheirosa; minha mãe a chamava de Guiné. Eu perguntava o porquê dela ali e ela me explicava que a mãe do meu pai havia lhe dado para espantar os maus espíritos. O cheiro grudava na mão; evitava mexer nela.

Havia também Espadas de São Jorge e bonitas forrações nos canteiros.

Eu brincava de pique-esconde nesses caminhos tortuosos e cheios de cores e mistérios a serem descobertos…

Para o meu laboratório, colhia, do jardim, hibiscos e rosas, amarelos, vermelhos, esmagava-os até sair deles o sumo colorido, misturava com água e coava na peneira.

Percebi que davam tons lindos, onde minha imaginação viajava em um turbilhão de cores. Passava horas sem ver o tempo, que parecia parado ao meu redor…

A minha viagem foi maior, quando pedi a minha mãe um pouco da purpurina dourada, que ela guardava com carinho, em um vidro branco. Ela me deu. Que alegria eu fiquei, nossa! Agora poderia fazer o que imaginava… Colocar um pouco de purpurina dentro de cada vidro colorido. Os tons de verde, azul, amarelo, vermelho, laranja, ao balançar os vidros, brilhavam, com intensidade indescritível…

Que lindo! Meus olhos brilharam como eles, nessa viagem no Tempo… **Menção Honrosa na Categoria Prosa, no Concurso do Projeto Editorial Internacional de Língua Lusófona Sem Fronteiras pelo Mundo, Coletânea de Vol. 2, lançada em Lisboa, Portugal, 2017.